sexta-feira, 22 de julho de 2016

As minas de sal de Wieliczka



Madeira petrificada
Já alguma vez sonhou em ser mineiro ou mineira? Se é das pessoas que têm algum medo de espaços fechados e que fica com falta de ar quando ouve as notícias de desastres em minas, poderá até evitar visitas a minas. Mas no caso das minas de sal de Wieliczka, na Polónia, perto de Cracóvia, fará mal se não as visitar por dentro.



Declaradas Património da Humanidade pela UNESCO em 1978, as minas de sal de Wieliczka são exploradas sem interrupção desde o século XIII, tendo sido visitadas pela primeira vez no século XV.
Lago subterrâneo
Reza a lenda que Santa Cunegunda, filha de um rei húngaro, tendo sido prometida ao rei da Polónia, recusou o dote de ouro e pedras preciosas que iria receber do pai, dizendo que tinham origem nas lágrimas e no sangue do povo.
- Não quero riquezas – declarou a princesa. – Deem-me sal que é um bem precioso.
O pai ofereceu-lhe então uma mina de sal na Transilvânia, para dentro da qual Cunegunda atirou o seu anel de noivado. Mais tarde, já como princesa polaca, realizou uma viagem a Cracóvia; ao chegar perto da atual Wieliczka pediu aos seus súbditos que cavassem um buraco bem fundo. Para espanto de todos, o buraco continha sal em abundância – e mais admirados ficaram ao encontrarem ali o anel que Cunegunda atirara para dentro da mina de sal da Transilvânia. As minas começaram então a ser exploradas e tornaram-se muito importantes não só para a Polónia mas para toda a Europa. E a ser visitadas, tendo por lá passado Copérnico, Goethe, Alexandre von Humboldt, Dmitri Mendeleev, Robert Baden-Powell, Karol Wojtyła (mais tarde Papa João Paulo II), Bill Clinton, entre muitas outras personalidades.
Hoje em dia quem passa por Cracóvia vai inevitavelmente visitar as minas de sal de Wieliczka onde pode ver esta lenda representada numa das galerias da mina, através de esculturas realizadas pelo mineiro Mieczyslaw Kluzek. São inúmeras as estátuas de sal em exposição nas minas. 
Um dos muitos corredores na mina
"A catedral subterrânea de sal da Polónia”, como são descritas as minas, é um conjunto de escavações dispostas em nove níveis entre 64 e 327 m de profundidade e com mais de 300 quilómetros de galerias  – um verdadeiro labirinto – dos quais só se visitam 3,5, mas onde podemos ver lagos subterrâneos, 22 câmaras, ferramentas e máquinas antigas, baixos-relevos e capelas com figuras esculpidas de sal, feitas pelos mineiros que ilustram a história das minas. Uma viagem a um mundo totalmente desconhecido – e a uma temperatura bem fresca de 14 ºC!
A capela mais impressionante é a de Santa Cunegunda com 54 metros de comprimento toda decorada com figuras de sal, entre as quais uma estátua gigante do papa João Paulo II.
Como surgiu o sal naquela região? Há mais de 13 milhões de anos começou a aparecer sal devido à cristalização do sal diluído na água do mar, tendo-se iniciado a sua extração ao ar livre. Era considerado ouro branco, tal era o valor que tinha.
Os primeiros vestígios humanos na região datam do final do paleolítico.
Um documento do legado papal Egídio enumera e confirma os privilégios do mosteiro beneditino para o uso gratuito do sal das salinas Magnum Sal, ou seja, Wieliczka.
Em 1518 é publicada a “Descrição das Salinas de Cracóvia”, onde são listados todos os tipos de trabalhos a fazer na mina, as categorias de empregados, as salinas e a fazenda pertencente à salina e são descritos os sistemas de extração, transporte e venda de sal-gema e sal de evaporação. A produção deste último tipo de sal termina em 1724 em Wieliczka.
No século XVIII são introduzidas máquinas para trazer o sal para a superfície, tendo-se igualmente iniciado ensaios para o uso de pólvora para extrair sal. Nos finais do século XIX o trabalho nas minas fica praticamente totalmente mecanizado, com a introdução de máquinas de perfuração e o uso de explosivos em grande escala.
Durante a ocupação alemã da Polónia, as minas foram declaradas de especial importância estratégica. Foi abandonada a técnica de perfuração mecânica, optando unicamente pelo uso de explosivos. A mina passou a ser usada como fábrica de material de guerra, onde trabalhavam judeus dos campos de detenção da vizinhança. A 21 de janeiro de 1944, as tropas soviéticas libertaram Wieliczka.
Candelabro de sal na catedral
Hoje em dias minas são também usadas como salas de concertos e de outras atividades culturais, sendo visitadas por mais de um milhão de pessoas.
A última ceia, baixo relevo feito de sal
Todas as estátuas são feitas de sal






segunda-feira, 18 de julho de 2016

O que pode arruinar a experiência de hotel? Uma má cama e… uma má ligação de Wi-Fi

Segundo um estudo do Momondo, um motor de busca de agências de viagens e companhias aéreas e que compara preços de voos, hotéis e carros de aluguer,  o Wi-Fi assume um papel importante para os Portugueses e 24% admite que uma má ligação de Wi-Fi arruinou a sua experiência num hotel em férias anteriores.
A momondo inquiriu 1002 Portugueses relativamente às suas preferências de viagens e apresenta agora os resultados relativamente a requisitos para estadia quando pesquisam e planeiam as suas férias.

O melhor local para ficar hospedado
Para 50% dos Portugueses, não precisar de se preocupar com limpar e cozinhar é o melhor plano e é por isso que um hotel é o local perfeito para ficar hospedado durante as férias. Alugar quartos e apartamentos é uma tendência crescente. 18% dos Portugueses recorre a portais especializados para encontrar o local perfeito para ficar nas férias.

Encontrar o hotel perfeito
O preço é o principal fator para 66% dos Portugueses quando pesquisam hotéis. Para 33% gastar entre 21,00€ e 50,00€ por noite é o valor perfeito, o que está provavelmente relacionado com o orçamento limitado que os viajantes nacionais têm para as suas férias. 
Mas, para além do preço, existem outros fatores importantes durante a seleção de um local para ficar. O número de estrelas tem uma importância considerável para 48% dos Portugueses bem como as críticas, que assumem uma elevada importância para 44% dos Portugueses. 
A localização do hotel é também algo a ter em consideração: 46% dos Portugueses procura hotéis que fiquem perto de atrações e monumentos históricos, uma vez que lhes permite poupar dinheiro em transportes.

O que pode arruinar a experiência num hotel
O planeamento das férias é muito importante uma vez que nos ajuda a perceber, por exemplo, o que poderá correr mal durante a nossa estadia num hotel e evitar situações incómodas. É nesta fase que as críticas de utilizadores assumem uma grande importância. 39% dos Portugueses diz ter tido más experiências em hotéis devido ao barulho provocado por outros hóspedes ou proveniente do exterior do hotel. Para 24% uma má ligação ao Wi-Fi e uma cama desconfortável (21%) arruinaram a sua estadia num hotel. Ambos os items são tidos seriamente em consideração durante a pesquisa do hotel perfeito para as férias.

Sobre o estudo:
O estudo “Tendências de viagens 2016” apresenta os resultados de uma análise realizada pela Radius Kommunikation para a momondo revelando quais os hábitos de viagens dos portugueses. Os dados foram recolhidos entre 6 e 13 de janeiro de 2016 através de um e-survey realizado através da Cint pannel. Os dados relacionados com Portugal contaram com a participação de 1.002 Portugueses com idades entre os 18 e os 65 anos.


sexta-feira, 15 de julho de 2016

Curia, o charme dos anos 20 do século XX



O parque do Curia Palace Hotel

 Ao chegarmos à Curia sentimo-nos imediatamente transportados para o passado, para o início do século XX. Com os seus grandes hotéis (Grande Hotel da Curia, o Palace Hotel e o Hotel das Termas), agora com uma decadência cheia de charme, as alamedas ladeadas de árvores, as termas meias-esquecidas, pensamos que somos figurantes um filme que mostra o esplendor das vilas termais portuguesas até meados do século passado.
No tempo da ocupação romana, a atual Curia era conhecida por de “Aquae curiva”. Nome que deu origem à atual toponímia. Os Romanos, grandes apreciadores de termas e de banhos, conheciam bem as nascentes e explorava as suas águas, sendo assim a Curia uma das mais antigas estâncias hidrológicas do país. 
Com o evoluir da História, as termas passaram para o esquecimento. Em 1863 um engenheiro francês que trabalhava na construção da linha férrea do Norte aplicou as águas da poça da Curia da Mata, nascente utilizada por residentes da região em doenças de pele e reumatismo, num tratamento de um “mal que tinha nas pernas”. Os bons resultados obtidos depressa se espalharam e a fama curativa das águas não parou de crescer. A exploração pertencia por direito à Câmara da Anadia, que não lhe dedicava nenhuma especial atenção. O balneário era um barracão em madeira!
As primeiras análises às águas foram feitas somente em 1897 por encomenda de Luís Návega, médico, que incentivou a fundação da Sociedade das Águas da Curia, que foi concretizada em 1900. Ficou à sua frente como diretor clínico durante 40 anos.
Quando por morte do pai, Albano Coutinho, jornalista e um dos fundadores do Partido republicano em 1876, se dedicou aos negócios da família na Bairrada, viu as potencialidades das águas. Trabalhou pela transformação do local numa estância termal e de veraneio de qualidade, uma aposta financeira no turismo, então praticamente inexistente, ou só existente em discussões parlamentares e vagos apoios financeiros à construção de hotéis prometidos no final do regime monárquico e no regime republicano.
Aos poucos foram surgindo hotéis e pensões. Em 1926 foi inaugurado o Curia Palace Hotel, a concretização do sonho do hoteleiro Alexandre de Almeida e do talento do arquiteto Norte Júnior. O palacete é um magnífico exemplar da Arte Nova que dominou os "Dourados Anos 20". 
A entrada do Palace Hotel

Este emblemático hotel foi criado com a intenção de se afirmar como grandioso, cosmopolita e mundano. Nos jardins do hotel foi inaugurada em 1934 a “Piscina-Praia”, uma curiosa construção em forma de navio, desenho do arquiteto Raul Martins, e que se tornou o centro de animação das termas nas décadas seguintes.

O Curia Palace Hotel  e os edifícios que o complementam - Chalet Navega ou Chalet das Rosas, Capela da Senhora do Livramento, Piscina Paraíso, garagem e jardins envolventes - foram classificados como conjunto de interesse público pela Portaria n.º 615/2013, de 20 de Setembro, diploma que fixou também a respetiva zona especial de proteção (ZEP).
No final do século XX, a queda na procura de um termalismo tradicional, a custosa manutenção do parque e do seu património construído colocaram a Sociedade das Águas da Curia numa situação financeira difícil que, graças a apoios comunitários e a aposta em novos programas termais de turismo de saúde, se têm vindo inverter.
Hoje em dia, as termas da Curia a tradição termal unida ao conforto e à tecnologia moderna, usada no novo edifício termal, que ficou concluído em 1993, com tratamentos especializados para combater doenças metabólico-endócrinas, cálculos renais e infeções urinárias, hipertensão arterial, doenças reumáticas e músculo-esqueléticas, programas de recuperação de forma física, reabilitação, fisioterapia corretiva e dietas de emagrecimento. Os tratamentos podem ser interiores (ingestão oral de água) ou exteriores (banhos de imersão com duche subaquático e bolha de ar, duches escoceses de jacto ou crivo, circular ou de leque, a hidromassagem automática, a sauna, a piscina de reabilitação, o ginásio com mecanoterapia, as massagens e a eletroterapia, trações, ultrassons, ondas curtas, micro-ondas, ultravioletas, infravermelhos, correntes diadinâmicas, entre outros).
Às propriedades curativas das águas soma-se o ambiente de calma, sossego e repouso da Curia. As termas encontram-se dentro de um parque de 14 hectares com árvores centenárias e vegetação luxuriante que rodeiam o lago, artificial, convida a passeios tranquilos. Os edifícios termais conservam a sua arquitetura Arte Nova, a monumental buvete, o casino, agora desativado, os antigos balneários e a velha casa de chá à beira do lago. Ainda dentro do parque, encontra-se o Hotel das Termas.






Breslávia, uma cidade cheia de História


Vista de Breslávia a partir da Igreja de Santa Madalena

 Chegámos a Breslávia  (ou Wroclaw como se diz em polaco ou Breslau, como era conhecida quando aquela região pertencia à Alemanha), Baixa Silésia, na Polónia, no final de um dia de agosto. O calor era arrasador. Parecia que as paredes dos prédios eram acumuladores de calor e serviam de aquecimento central da cidade.
Praça do Mercado
Decidimos esperar no quarto que o calor abrandasse para ir passear pela cidade. O hotel – Puro Hotel (http://de.purohotel.pl/wroclaw) era moderno, todo informatizado. São os próprios clientes que fazem o check-in num dos computadores instalados numa enorme mesa no centro da ampla receção. Aqui existe também uma grande máquina de café, chá e chocolate onde os clientes se podem servir sempre que lhes apeteça beber algo – basta usar o cartão/chave do quarto. Os quartos têm um iPad na parede junto à porta onde se configura tudo sobre o quarto. Ou seja, estivemos entretidos enquanto deixávamos que a cidade arrefecesse um pouco.
Com os seus 640 mil habitantes, Breslávia é a 4ª maior cidade da Polónia. Está situada junto ao rio Odra. A primeira referência que existe da cidade é na "Crónica de Dietmar" (Thietmari Merseburgensis episcopi Chronicon) do ano 1000. À época era denominada Wrotizlawa. Em 1175 passou a ser referida como Wrezlaw, que passou a Preßlau e, mais tarde a Breslau, em alemão.
Ao longo dos séculos, a região da Silésia tem sido disputada por várias nações, tendo pertencido à Polónia  (do ano de 990 ao século XIV), ao Reino da Boémia  (atualmente República Checa) (de meados do século XIV a meados do século XVI), ao Império Austro-Húngaro (de 1526 a 1741), à Prússia  (em 1871) e depois à Alemanha, quando o rei da Prússia fundou o Império Alemão. Desde o final da 2ª Grande Guerra, a região pertence de novo à Polónia.
Na primeira metade do século XIX, a Silésia conheceu um grande desenvolvimento industrial e econômico, que tornou a cidade uma das maiores e das mais importantes da Alemanha. A população passou de 90 mil para 500 mil habitantes. Após a Primeira Guerra Mundial, Breslávia foi obrigada pelas potências vencedoras a ceder a parte com mais recursos de toda a Alta Silésia à recém-restituída Polónia, o provocou grandes tensões entre a Alemanha e a Polónia – e terá sido uma das causas da ocupação alemã a 1 de setembro de 1939 e que deu início à 2ª Grande Guerra.
A cidade em 1945
Durante a guerra, Breslávia começou por ser poupada dos horrores da guerra. O governo decidiu então estabelecer na região indústria bélica. Com o avançar das tropas russas em janeiro de 1945, Hitler transformou Breslávia numa fortaleza, tendo a cidade sido cercada pelos russos durante três meses. Após a capitulação a 6 de maio de 1945, o Exército Vermelho entrou na cidade, tendo-a saqueado, incendiado e destruído totalmente, incluindo a Biblioteca da Universidade Leopoldina, para a qual Brahms compôs uma obra, o museu da cidade e as torres gémeas da igreja gótica de Santa Maria Madalena.
Desde o final do século XX, Breslávia tornou-se economicamente uma das cidades mais dinâmicas da Polónia.

Passeio turístico
Bairro Judeu
Quando o calor acalmou, fomos então dar um passeio pela cidade. O Puro Hotel fica em frente do bairro judeu. Basta atravessá-lo para chegarmos ao centro histórico da cidade, à Praça do Mercado (Rynek), que estava muito animada com muitas esplanadas e lojas apinhadas. Durante o dia, a cidade é “invadida” por centenas de turistas, especialmente alemães, que, no entanto, não pernoitam lá, seguindo normalmente para Cracóvia ou regressando à Alemanha. À noite, a praça fica por conta dos habitantes locais que para ali vêm apanhar o fresco e conviver.
Praça do Mercado
Após a guerra, a cidade foi reconstruída o que ajudou a sarar as feridas do passado. A reconstrução foi feita segundo os planos originais, ou seja, ao passearmo-nos hoje por Breslávia até quase não nos apercebemos que todos aqueles edifícios não são históricos mas modernos. O cuidado foi tanto que sentimos a aura dos tempos do império austro-húngaro.
A Praça do Mercado, com 213 m de comprimento e 178 de largura, está ladeada por 60 casas patrícias, edifícios de fachadas sumptuosas, portas trabalhadas, candeeiros e pequenas estátuas. Onze ruas desaguam na praça. Sobressai a Câmara Municipal, cuja construção demorou quase dois séculos a terminar.
A algumas ruas da praça, está a igreja de Santa Madalena com as suas torres gémeas que não devem deixar de ser visitadas.
A parte mais antiga da cidade está numa pequena ilha, no meio do rio Odra, onde podemos ver alguns dos seus monumentos arquitetonicamente mais sumptuosos, como a catedral gótica de São João Batista (a mãe de todas as igrejas da Silésia, cuja história remonta ao ano de 1000 quando o bispado de Breslávia foi criado), a Igreja da Cruz Sagrada e o Museu da Arquidiocese, o monumento mais antiga de Breslávia e que guarda no seu interior o primeiro livro escrito em polaco, “Księga henrykowska”, do século XIII-XIV.
Terminámos o passeio numa cervejaria num dos muitos pátios do bairro judeu, gozando a atmosfera e o fresco da noite e relembrando tudo o que vimos nesta terra com tanta história e onde o Leste e o Oeste da Europa se cruzam.





segunda-feira, 4 de julho de 2016

Palácio do Governador – Diálogo entre História e arquitetura

Em Lisboa não nasceu somente um novo hotel de cinco estrelas. O Hotel Palácio do Governador é mais do isso. É uma herança da nossa história. A história de todos os Portugueses.
Este edifício servia de residência ao governador da Torre de Belém. Terá sido mandado construir em 1519 por D. Gaspar de Paiva, o primeiro governador da Torre de Belém em terrenos aforados aos monges hieronimitas. Nem sempre foi clara a associação da casa à função de governador da Torre de Belém. No final do século XVII essa ligação mostra-se real com D. Luis Manoel de Távora (sexto conde de Atalaia), apesar de não estar ainda claro se terá sido residência de família somente ou residência-oficial dos governadores da Torre de Belém.
No entanto, a história deste local é ainda mais antiga e leva-nos ao período romano. Há uns 2000 anos, os romanos construíram aqui uma unidade de produção de garum, uma pasta fermenta de peixe feita com as vísceras de peixe, uma atividade económica fundamental na província da Lusitânia. Quando D. Gaspar Paiva mandou construir o seu palácio aproveitou as estruturas da fábrica de garum como alicerces do novo edifício.
Planta da fábrica de garum
De planta retangular, com uma área de 1 500 m2, os tanques para a fermentação do peixe (foram identificadas 32 cetárias, mas seriam muitas mais) foram construídos em torno de um pátio central. O acesso dos trabalhadores aos tanques era feito através de um corredor. No seu pico de produção poderia atingir os 550m3 e teria capacidade para encher mais de 15 mil ânforas, o equivalente a 5 navios romanos. A sua localização e dimensão fazem deste sítio um dos mais importantes de Portugal.
As ruínas das cetárias
O cheiro intenso e desagradável destas fábricas de garum levava à sua construção preferencial na periferia das cidades. Os preparados de peixe eram não só muito apreciados como fundamentais na dieta alimentar em especial dos contingentes militares espalhados pelo vasto Império Romano, graças à sua longa durabilidade, visto serem conservados em sal. Segundo os historiadores, o garum vindo da Lusitânia era dos melhores, pois o peixe da nossa costa era de alta qualidade.
Nas escavações para a construção do hotel foram encontradas diversas ânforas, recipientes de barro usados pelos Romanos para transporte de diversos produtos, como vinho, azeite ou garum. A maior parte das ânforas recolhidas terá sido produzida em olarias localizadas no estuário do rio Tejo – no entanto, as diferentes ânforas aqui descobertas mostram-nos também que por aqui passaram vinho e azeite provenientes da Península Itálica, da Bética e do Norte de África.

A arquitetura da fábrica de preparados de peixe
Esta fábrica de preparados de peixe era semelhante a outras do Império Romano: planta retangular com os tanques dispostos em torno de um pátio central aberto, separados por um corredor. Os tanques de maiores dimensões eram utilizados para a produção dos preparados piscícolas, enquanto os mais pequenos, localizados no corredor, seriam utilizados para armazenamento de alguns dos ingredientes principais. A zona de produção era coberta por uma cobertura de telhas, assente em traves de madeira, apoiadas em colunas de tijolo.
As paredes das cetárias (tanques) eram construídas com pedras trabalhadas de calcário e basalto, ligadas por uma argamassa de boa qualidade e posteriormente revestidas com opus signinum (uma mistura de argamassa e pedra calcária), que poderia chegar a ter três camadas, de modo a tornar os tanques impermeáveis. O mesmo material (opus signinum) era usado para os pavimentos, e assentavam num enrocamento de pedras de basalto.

O Palácio do Governador
Tudo indica então que no século XVI esta unidade de produção de preparados de peixe já não estivesse em atividade quando a Torre de Belém foi construída e daí terem sido aproveitados os muros para alicerces do futuro palácio do governador da Torre de Belém. O palácio terá sido usado até ao século XIX, existindo referências a oficiais em serviço na Torre, sendo a sua afetação à torre muito explícita. No entanto, desconhece-se a data em que os condes de Atalaia terão vendido o imóvel ao estado.
Quando nasceu a moda dos banhos na praia de Pedrouços, D. Maria II, D. Pedro e D. Luis terão usado a habitação como local de veraneio. Inicialmente a casa funcionava como residência de férias e o marquês deixou que a residência do escrivão da torre de belém e os escritórios dos oficiais de registo do porto continuassem a funcionar neste espaço, bem como armazéns.
D. Luís terá residido na casa já depois de rei, em 1862, antes de fixar residência oficial no Palácio da Ajuda. Após as mortes suspeitas de três dos seus irmãos, houve quem não considerasse adequado que o monarca permanecesse no Palácio das Necessidades, o que originou a sua ida para Pedrouços, ainda que em 1854 a casa tenha sido vendida pelo estado ao segundo marquês de Viana, D. João Manoel de Meneses, descendente de antigos governadores da Torre de Belém.
Em 1864, D. João Manoel de Meneses passou a viver definitivamente no palácio. Após a sua morte em 1890, a casa transitou para a sua viúva e herdeiros colaterais. Ao longo do século XX a casa foi sendo subalugada a diversos particulares (asilo, colégio feminino de invocação a Nossa Senhora do Carmo, fábrica de rolhas, leitaria marítima, oficina metalúrgica e outra de reparação de redes de pesca) e instituições estatais (Escola de Pesca de Lisboa, Caixa de Previdência e Abono da Família dos Profissionais da Pesca e Centro regional da Segurança Social de Lisboa).
O palácio foi adquirido pelo Grupo Nau que o transformou, após mais de uma década de trabalhos, num hotel de cinco estrelas. O projeto arquitetónico foi entregue à dupla Jorge Cruz Pinto e Cristina Mantas, tendo a decoração do interior ficado a cargo de Nini Andrade Silva. “A intervenção arquitetónica na antiga Casado Governador da Torre de Belém define o que entendemos por Projeto Sincrónico: a coexistência de diferentes espaços-tempos, através da recuperação e integração dos vários estratos históricos existentes no edifício (dos achados arqueológicos das cetárias romanas dos séc. 1 e III d.C., da fundação manuelina,  à caracterização do período barroco e à renovação arquitetónica contemporânea) ”, escrevem os arquitetos na brochura sobre o hotel.
O pátio de entrada do Palácio do Governador onde são bem visíveis as cetárias
A entrada faz-se pelo pátio onde permanecem as cetárias da antiga fábrica romana. O lobby da receção situa-se na antiga Capela, de invocação mariana, assinalada por uma cruz e duas estrelas, em alusão à Virgem como estrela da manhã, uma instalação feérica contemporânea formada por tubos de aço inox, evocativa de um órgão ou do feixe dos raios luminosos do Espírito Santo, conforme figura num dos painéis de azulejos e figurava no retábulo do altar desaparecido, ambos dedicados à Anunciação.

O valor histórico-arquitetónico genuíno revela-se em cada um dos cinco pisos do hotel: nos tetos em abóbada da sala de restaurante, nos arcos sucessivos das salas do piso térreo e nos lambris de azulejos nas salas e suites. Os terraços virados a sul oferecem aos hóspedes e visitantes uma esplanada privilegiada sobre a piscina exterior, a Torre de Belém e o Rio Tejo.
Procurou respeitar-se o traçado original do edifício. Nos salões, foram preservados os tetos de masseira, a sua azulejaria setecentista original, os fogões de sala barrocos, os arcos e abóbadas de tijolo originais das salas do piso do embasamento, o portal barroco dos fogaréis e as outras cantarias originais.
Quarto
O hotel alberga um programa de 60 quartos de diferentes tipologias arquitetónicas, integrando três suites principais, um restaurante de autor, Ânfora, situado no embasamento abobadado com terraços e esplanada ligada à piscina exterior. O jardim é dotado de um tanque desenhado ao longo de parte da fachada sul e de uma piscina central envolvida por um deck de madeira com escotilhas elevado num solário, cuja imagem reforça a evocação de memórias náuticas. Do interior um grande spa dotado de uma extensa piscina interior podem ver-se os muros romanos. O espaço com área de 1200 m2 inclui uma piscina de 25 m com 2 cascatas, duche de sensações (tempestade das Caraíbas), fonte de gelo, sauna, banho turco, três salas de massagens/tratamentos (uma de casal com jacuzzi privativo), duas salas de relaxamento e ginásio.